por Eduardo de Rezende
Na maioria dos países, as tentativas de reduzir o risco de
contaminação pelo novo coronavírus têm sido baseadas principalmente em medidas
restritivas, incluindo o fechamento de escolas.
Eu pessoalmente fui a favor do fechamento das escolas
durante a pandemia e, tendo visto ultimamente muitas pessoas defenderem que não
há justificativa científica para o fechamento das escolas, resolvi ir atrás
de estudos para mostrar que elas estão erradas.
Mas... descobri que talvez elas estejam um tanto certas. Estudos
recentes mostram que o fechamento das escolas pode ter sido precipitado em alguns países. Os
fatos, contrários ao que eu imaginava, fizeram-me atualizar minhas ideais.
Afinal, ciência é isso: é a disposição para aceitar os
fatos, mesmo quando eles vão contra o que nós acreditamos.
Entretanto, “atualizar minhas ideias” não significa que
agora sou um defensor do retorno das aulas presenciais, e explico o porquê nos
últimos parágrafos.
Mas, o que dizem os estudos?
O principal motivo que levou governos a fecharem escolas foi
a evidência de que a introdução precoce desta medida restritiva foi eficaz na
redução das taxas de incidência de influenza durante surtos sazonais e
epidêmicos em anos anteriores. No entanto, não é certo que as mesmas vantagens
possam ser vistas no caso da pandemia da COVID-19.
Modelos estatísticos indicam que o fechamento de escolas
pode ser significativamente eficaz para o controle de infecções apenas quando
os surtos são causados por vírus com taxas de transmissão maiores em crianças
do que em adultos. Isso se aplica aos vírus influenza, mas não parece válido
para o coronavírus, que tem diferentes dinâmicas de transmissão.
Estudos realizados durante a epidemia de SARS na China, Hong
Kong e Singapura, mostraram que o fechamento das escolas não foi
significativamente eficaz para a prevenção da doença.
E estudos recentes sobre a Covid-19 predizem que o
fechamento das escolas preveniu entre 2 a 4% das mortes, muito pouco, segundo
os autores do estudo, quando comparado a outras medidas restritivas.
Um dos argumentos mais fortes contra o fechamento das
escolas veio de Taiwan. Por lá, a disseminação de COVID-19 foi minimizada sem o
fechamento generalizado de escolas. Conseguiríamos o mesmo por aqui?
Se, por um lado, a eficácia do fechamento de escolas ainda esteja
em discussão, existem potenciais consequências negativas desta medida que, segundo
estudos internacionais, não podem ser ignoradas.
(Fiz questão em destacar o “internacionais”, porque talvez a realidade brasileira seja diferente.)
Segundo esses autores, algumas consequências dizem respeito
à família. Para cuidar dos filhos pequenos quando as creches e as escolas estão
fechadas, os pais devem permanecer em casa, com inevitáveis consequências
econômicas.
Além disso, quando os pais são profissionais de saúde, isso
pode ter consequências médicas relevantes. Nos EUA, calculou-se que a ausência
ao trabalho de 15% dos profissionais de saúde pode estar associada a um aumento
significativo na mortalidade por COVID-19. Se os pais devem trabalhar e os avós
devem se tornar os cuidadores primários das crianças, o risco aumenta
significativamente de que essas pessoas, que estão sob maior risco de sintomas
graves, possam ser infectadas, e foi isso que aconteceu na Itália nas primeiras
2 semanas quando foi decidido o fechamento da escola, mas outras atividades de
trabalho não foram interrompidas.
Além disso, o fechamento de escolas pode causar riscos de
agravamento das desigualdades sociais, econômicas e de saúde, especialmente em
países de renda limitada. Nos países onde a epidemia de Ebola ocorreu de 2014 a
2016, o fechamento de escolas foi associado ao aumento do trabalho infantil,
violência e problemas socioeconômicos.
Por fim, o ensino a distância por meio de tecnologias
digitais que vários países planejaram para substituir a escola tradicional pode
ter sido difícil de implementar mesmo em alguns países industrializados. Na
Itália, uma pesquisa de 2015 realizada pelo Instituto Nacional de Estatística mostrou
que nas áreas mais pobres do país, 41% dos domicílios não possuíam tablet ou
computador pessoal e que entre as famílias com pelo menos 1 filho, apenas 14,3%
podiam garantir ensino a distância. Isso significa que um grupo relevante de
crianças pode permanecer substancialmente excluído não só da aprendizagem, mas
também de qualquer forma de socialização com os colegas e com o mundo ao redor.
Todas essas limitações explicam porque alguns especialistas
sugerem que as vantagens potenciais do fechamento de escolas, se houver, devem
ser comparadas aos efeitos adversos colaterais. Em vez do fechamento total da
escola, estratégias alternativas para conter a transmissão, como redução do
tamanho das classes, uso de máscaras, distanciamento físico, promoção da
higiene, triagem com medição de temperatura ou fechamento de salas de aula com alunos
infectados, podem ser implementadas.
Entretanto, é justamente quando essas estratégias
alternativas são consideradas, é que eu tenho a tendência de ainda manter o
posicionamento de que as escolas devem se manter fechadas. Mas, ora, por quê?
Veja, o argumento é o seguinte: as escolas podem ficar
abertas desde que sejam mantidas outras medidas de prevenção e enfrentamento à
COVID-19. Bem, o fundamento de que essas estratégias alternativas possam ser implementas
vêm de países desenvolvidos e não considera a realidade precária brasileira.
A maioria das pessoas que vejo defendendo o retorno às aulas
presenciais são pais e profissionais de instituições privadas. Talvez nesses
espaços privados haja sim condição de retorno às escolas.
Mas não vi ainda estudo que mostre como viável a
implementação dessas estratégias nas escolas de todo o país — principalmente as
públicas —, ainda mais quando se considera não só o espaço escolar em si, mas
também os meios de transporte para se chegar à escola e a comunidade ao redor,
também com condições precárias em grande parte do Brasil.
E, retornando algumas escolas ao ensino presencial e outras
não, não aumentaria a desigualdade das crianças e jovens com menos
oportunidades?
(Fiz questão em destacar o “internacionais”, porque talvez a realidade brasileira seja diferente.)
Rajmil, L. (2020). Role of children in the transmission
of the COVID-19 pandemic: a rapid scoping review. BMJ paediatrics open,
4(1).
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