Segundo manifesto publicado no final de maio pelo CONANDA (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), o “conteudismo” tem prevalecido nas aulas a distância, com excesso de atividades e muita frustração, com a sensação de impotência das famílias e com o sentimento de incapacidade dos professores e equipes pedagógicas.
O CONANDA reconhece a importância de acolher os estudantes e manter tanto quanto possível a comunicação com eles neste momento de isolamento social, no entanto alerta que não é possível manter a vida ordinária, substituindo o trabalho, os processos educativos e o ano letivo presenciais por atividades remotas.
Segundo o órgão, prescrições curriculares, planos de aula, conteúdos e atividades não podem ser ministrados como se não houvesse uma situação que muda radicalmente o curso de cada vida e da sociedade é uma violência com nossas crianças, adolescentes, seus familiares e educadores. É de extrema importância que a escola, como instituição, e seus educadores possam explicitar seu compromisso e sua solidariedade com a comunidade escolar, sem cobranças atreladas ao mero reprodutivismo de conteúdos.
A busca, portanto, deve ser por estratégias de manutenção das interações que promovam a produção de conhecimento sobre a realidade, sem amplificar o cenário de desigualdade no acesso ao conhecimento escolar, incentivando a relação família-escola, sem sobrecarregar familiares ou fomentar ingerências de uma parte em relação à outra (nem homeschooling, nem família como auxiliar de classe), sem fomentar interesses de ataque à política pública educacional.
As atividades de ensino afetam os processos de desenvolvimento de crianças e adolescentes, por isso deve-se considerar que:
a) é inadequado que bebês e crianças pequenas tenham um tempo de uso excessivo de aparelhos tecnológicos;
b) que muitos adolescentes apesar de dominarem o celular, não possuem amplo domínio tecnológico, condições de impressão de materiais, o que pode ocasionar o abandono escolar, posterior ao período de afastamento;
c) os alunos com deficiência não encontrarão a acessibilidade necessária para superar suas dificuldades (intérprete de Libras, legendagem, audiodescrição, etc.);
d) alunos e professores com problemas de saúde mental ou quadros depressivos poderão ter essa dificuldade aumentada excessivamente em função dos estressores vivenciado nesse período de pandemia;
e) crianças e alunos em situação de rua ou pertencentes à comunidades não lusófonas surdas, imigrantes, ribeirinhas, quilombolas, indígenas, do campo – não têm garantido o acesso à língua portuguesa em suas famílias.
Em suma, o CONANDA destaca que:
- crianças e adolescentes devem ter seu direito à educação de qualidade garantido com absoluta prioridade;
- o direito à alimentação escolar deve ser assegurado a toda criança e todo adolescente matriculados na rede pública de ensino, seja por meio de entrega em domicílio ou por outra medida hábil;
- soluções educacionais devem considerar peculiaridades de crianças e adolescentes em situação de especial vulnerabilidade, especialmente estudantes em acolhimento institucional; em cumprimento de medidas socioeducativas, com deficiência, indígenas, de povos e comunidades tradicionais, e migrantes;
- o ensino domiciliar é atualmente proibido pela legislação vigente e qualquer alteração legal deve envolver amplo debate prévio;
- o uso de educação à distância deve estar atento a limitações a tempo de tela e à proteção de dados pessoais de crianças e adolescentes;
- é fundamental reconhecer as desigualdades estruturais do país, inclusive no acesso à internet e infraestrutura domiciliar, o que deve ser considerado nas soluções e medidas tomadas, inclusive no tocante à necessidade inegável de adiamento do ENEM e outros exames nacionais, a fim de não ampliar e aprofundar assimetrias entre estudantes;
- deve-se buscar estratégias de manutenção das interações que promovam a produção de conhecimento sobre a realidade, sem amplificar o cenário de desigualdade no acesso ao conhecimento escolar, incentivando a relação família-escola, sem sobrecarregar familiares ou fomentar ingerências de uma parte em relação à outra (nem homeschooling, nem família como auxiliar de classe), sem fomentar interesses de ataque à política pública educacional;
- as soluções educacionais devem considerar ainda as desigualdades em relação ao nível de escolaridades das/os mães/pais ou responsáveis, a limitação da quantidade de equipamentos nas famílias e os horários e tempo necessário para a realização das atividades;
- é essencial que estudantes e professores sejam ouvidos e tenham suas opiniões consideradas, junto a especialistas, para construção de soluções relacionadas à educação em contexto de pandemia.