Entre as principais formas de adoecimento ganham destaque os transtornos mentais, como ansiedade e depressão, os problemas de voz e os distúrbios musculoesqueléticos. O processo de adoecimento leva a afastamentos frequentes e, muitas vezes, ao abandono da profissão.
Para entender o processo de adoecimento dos professores é preciso investigar, dentre diversos fatores, a maneira pela qual o trabalho tem impactado a vida pessoal dos educadores. Este foi o objetivo de um estudo brasileiro cujo resultado foi publicado recentemente num artigo científico na Revista de Saúde Pública. Os pesquisadores investigaram como o trabalho do professor repercute em sua vida pessoal cotidiana e identificaram os principais fatores que tem levado os professores ao adoecimento.
A pesquisa foi realizada com diversos professores da educação básica de escolas públicas de São Paulo por meio de entrevistas individuais semiestruturadas.
Segundo os pesquisadores, a "invasão da vida pelo trabalho" ocorre de diversas maneiras. Ou seja, é complexa e multiforme. Basicamente, duas dimensões foram encontradas, uma material e outra não material.
A dimensão material é sua forma mais conhecida. Isso porque se trata da forma mais perceptível do problema, que é levar trabalho para casa. Chamam de invasão material por dizer respeito ao conteúdo propriamente material do trabalho, como elaboração e correção de provas, trabalhos etc.
Por sua vez, a dimensão não material se revelou no invisível da relação entre o trabalho e a vida pessoal, em termos emocionais, sendo mais dramática e nociva do que a dimensão anterior.
“Não se trata de falarmos sobre levar trabalho para casa, em sentido material, mas sim sobre levar o trabalho para casa, em sentido emocional, sofrendo com isso” – dizem os pesquisadores.
Estudos que analisam a questão da saúde mental do professor colocam em evidência a alta carga emocional, o sofrimento psíquico e o desgaste mental que esses profissionais têm enfrentado. A invasão não material (emocional) da vida pelo trabalho manifestou-se sob quatro formas específicas, segundo o estudo.
1. Frustrações Sucessivas
Não diz respeito aos resultados pedagógicos propriamente ditos, mas às condições de trabalho: o professor não tem conseguido trabalhar.
Os professores são submetidos diariamente a uma série de agressões físicas e mentais durante a realização do seu trabalho: baixos salários, longas jornadas e salas cheias. Além disso, muitos professores mencionam ter a sensação de que suas aulas vinham sendo rejeitadas pelos alunos. Mais do que isso, eles parecem estar percebendo a situação como uma rejeição a si próprios, isto é, à sua identidade profissional.
Assim como existe um tipo de lesão física que é ocasionada por movimentos e esforços repetitivos (lesão por esforços repetitivos, mais conhecida pela sigla LER), o tipo de decepção e de frustração que muitos professores estão vivenciando pode produzir algo semelhante, mas na dimensão psíquica. Por ser “diária e constante” é, portanto, uma frustração repetitiva.
2. Abalo Moral
Além de conviver cotidianamente com a frustração de se sentirem rejeitados pelos alunos e de não conseguirem realizar seu trabalho, os professores relataram também casos de violência explícita, isto é, de agressão verbal – e até física – durante o exercício da profissão.
Podendo ser física ou verbal, essa violência explícita parece gerar nos professores um sofrimento de tipo tão profundo e prolongado que chega a parecer irremediável, deixando marcas e assumindo a forma de um abalo moral.
3. Pendências Ininterruptas
"Tem começo, mas nunca tem fim” — disse uma das professoras entrevistadas. Aqui o adoecimento está ligado à dificuldade em se desvencilhar da sensação de deveres a cumprir (e não o conteúdo em si do trabalho que é material), uma vez que essa sensação se estende sobre momentos em que a pessoa deveria estar conectada a outro tipo de experiência, como eu sua vida privada.
Professores não conseguem se desligar da preocupação com pendências do trabalho porque se esquecer dos deveres pendentes do trabalho simplesmente não é possível. Assim, eles acabam envolvidos por um estado de indisponibilidade constante para os outros e também para si.
A sensação é de nunca conseguir cumprir todos os trabalhos da escola, mas também nunca estar disponível para sua vida pessoal — o que nos leva ao quarto fator...
4. Interferência Sobre o Curso da Vida Privada
Tal faceta do fenômeno se dá pelo impedimento ou pela interferência direta sobre o curso da vida privada, isto é, sobre a vida pessoal que existe – ou que pelo menos deveria existir – para além do trabalho.
Acontece quando o indivíduo é impedido ou sofre interferência pelo trabalho na realização de atividades que deseja fazer, mesmo não estando no trabalho. Não se trata de trabalho impedido, mas da vida impedida ou prejudicada pelo trabalho, gerando sofrimento.
Interferindo nas relações familiares e sociais, muitos professores narraram que tal cansaço muitas vezes os leva a buscarem se refugiar em um estado de reclusão no qual se fecham no quarto e ficam em silêncio, ou pedem à família que lhes deixem quietinhos.
Você professor se identificou com algumas das situações acima? Deixe seu comentário!
Referência bibliográfica:
SILVA e FISCHER. Invasão multiforme da vida pelo trabalho entre professores de educação básica e repercussões sobre a saúde. Rev. Saúde Pública [online]. 2020, vol.54, 03.