As instituições de educação são espaços privilegiados para detecção de problemas e para o desenvolvimento de programas de prevenção e intervenção em saúde mental. Dessa maneira, a preocupação com a saúde emocional e com o desenvolvimento cognitivo e social das crianças ocupa cada vez mais a rotina escolar.
Os professores, com quem as crianças passam grande parte do dia, são requisitados a darem conta de problemas e dificuldades que estão causando prejuízos para o bem-estar e aprendizagem dos alunos.
O professor deve estar atento às crianças com dificuldades, identificar problemas situacionais a transtornos graves de desenvolvimento, aprendizagem e comportamento, oferecer apoio pedagógico diferenciado e articular estratégias com famílias e outros profissionais da educação e saúde.
Este conjunto de atribuições levou, nos últimos anos, a uma aproximação estreita entre saúde e escola. Mas essa afinidade — que impeliu muitos educadores à busca urgente por materiais, cursos de formação, orientações e dicas em saúde mental — não veio sem questionamentos.
Os professores não querem assumir o papel de terapeutas, ficam perdidos entre tantos transtornos, e estão cansados de discursos presunçosos de “especialistas” sem aplicação prática.
Essa constatação frequentemente captada nos desabafos de educadores nos corredores escolares ou nos grupos do whatsapp ou facebook foi também corroborada numa pesquisa publicada no início deste ano.
Embora de origem estrangeira, os resultados da pesquisa parecem estar de acordo com o posicionamento de professores aqui do Brasil. Os professores estão sim interessados e dispostos a ajudar no que for possível para a inclusão e bem-estar dos alunos com dificuldades ou transtornos mentais, mas têm opiniões e críticas que devem ser levadas em conta para guiar os rumos dessa empreitada.
Na pesquisa, as opiniões de dezenas de professores ingleses foram exploradas a fim de melhor entender quais as reais demandas e obstáculos encontrados para uma melhor aproximação entre saúde mental e escola.
Quatro temas se destacaram nas respostas dos educadores:
1. Professores buscam formação e orientações de como identificar e prevenir ao invés de como tratar;
2. O treinamento e orientações devem ter aplicação prática;
3. Programas de treinamento/ orientações em saúde mental precisam ser atraentes e interativos;
4. São necessárias mudanças além da sala de aula.
1. Professores buscam treinamento e orientações de como identificar e prevenir ao invés de como tratar
Professores estão à procura de formação, orientações e conselhos de como identificar problemas de saúde mental em seus alunos e, uma vez identificados, como prevenir para que esses problemas não piorem.
Na pesquisa, os professores em geral manifestaram a necessidade de formação e treinamento para identificarem se um aluno está em risco e se os problemas apresentados na escola são sintomas de algum transtorno psicopatológico. Segundo os professores, enquanto alguns sinais são bastante óbvios para alguns transtornos, outros são um pouco confusos e difíceis de serem identificados.
Uma vez que fatores de risco têm sido identificados, a maioria dos professores diz que usa de seu instinto e do senso comum para tentar ajudar. Dessa forma, eles demandam também orientações de como prevenir a piora do quadro fazendo "a coisa certa a ser feita” nessas situações.
Os professores não procuram estratégias para tratamento ou intervenções terapêuticas. Embora os próprios professores tenham consciência que intervenções terapêuticas não são função da escola, eles comentam que há uma expectativa da sociedade, principalmente de familiares, para que eles se responsabilizem pela saúde mental dos alunos. Contra isso, os professores argumentam que seu papel é puramente acadêmico, no máximo preventivo, e que o professor não deve ser visto como psicólogo ou assistente social.
2. O treinamento e orientações devem ter aplicação prática
Uma queixa bastante frequente de professores é que cursos de formação e treinamento em programas de saúde mental são muito teóricos e de pouca aplicação prática dentro das escolas.
Assim, a maioria dos professores defende que cursos de formação e treinamento devem focar em orientações práticas e estratégias eficazes em sala de aula. Um recurso que a maioria dos professores acharia útil é uma lista de estratégias do tipo "se acontecer X, faça Y".
Estratégias e recursos materiais apresentados ou disponibilizados por especialistas em cursos e treinamento devem ser adaptáveis para a realidade de cada educador. Quando o material é adaptável, o professor se sente mais confortável com sua aplicação.
Além disso, os professores reclamam a necessidade de estudos de casos reais. A maioria dos especialistas em cursos de formação apresentam estratégias sem exemplos reais de como outros educadores ou instituições lidaram com o problema. Histórias de sucesso, além de evidenciar a efetividade das estratégias, inspiram os professores a enfrentarem o problema com confiança.
3. Programas de treinamento/ orientações em saúde mental precisam ser atraentes e interativos
Como qualquer espaço pedagógico, cursos de formação e treinamento em saúde mental devem ser atraentes e interativos para que favoreçam o engajamento e a aprendizagem dos formandos. Isso inclui espaço para discussão e opinião dos próprios professores e não só a exposição passiva de tópicos pelos especialistas que ministram o curso.
Muitos professores questionam a qualidade dos cursos de formação. Para eles, cursos ministrados por profissionais credenciados e que trazem treinamento baseado em evidências são os mais atraentes e confiáveis. A possibilidade de ganharem um certificado para somarem ao seu currículo profissional também é um atrativo para que os professores engajem nesses cursos.
4. São necessárias mudanças além da sala de aula
Para oferecer o melhor suporte para os estudantes, mudanças são necessárias também fora da sala de aula. Isso inclui protocolos ou orientações formais da unidade escolar para "o que fazer" com estudantes em risco ou diagnosticados com transtornos mentais, contendo inclusive procedimentos para encaminhamento para serviços de saúde especializados.
Professores reclamam também que outros profissionais, como agentes escolares, orientadores e coordenadores também devem passar por formação; assim, todos juntos, podem formar um grupo de apoio para os estudantes.
Além disso, deve haver melhores estratégias de comunicação com os pais das crianças. Segundo os professores, a maioria dos pais é negligente quando se trata da saúde mental dos filhos. Os professores buscam por estratégias de como eles próprios podem educar e orientar os pais de uma maneira não ofensiva, mas também não protecionista (para que os pais não fiquem acomodados).
Deve-se também melhorar a comunicação entre escola e serviços de saúde mental. Segundo os professores, a maioria dos profissionais de saúde mental é incapaz de prover informação útil ou orientações sobre o acompanhamento dos escolares.
Saúde mental nos programas de formação continuada
As informações apresentadas pela pesquisa podem ser úteis para diretores escolares e secretarias de educação que exigem formação de seus professores ou que querem implementar programas de treinamento em saúde mental em suas unidades escolares.
Sabendo quais são as reais demandas dos professores, profissionais da área da saúde mental podem melhor se empenhar em desenvolver cursos de formação ou para orientação de profissionais da educação. No fim, com todos trabalhando juntos, são as crianças que sairão ganhando.
Referência bibliográfica:
Shelemy, L., Harvey, K., & Waite, P. (2019). Supporting students’ mental health in schools: what do teachers want and need? Emotional and Behavioural Difficulties, 1–17.