Em estudos recentes, pesquisadores tem considerado o Transtorno Opositivo-Desafiador como uma categoria bidimensional, com um componente afetivo (raiva/ irritabilidade) e outro comportamental (desafio/ oposição). A diferenciação entre as duas dimensões explicaria diferentes resultados futuros e manifestação de outros transtornos ao longo do tempo, como depressão e transtorno de conduta.
O Transtorno Opositivo-Desafiador (TOD) é uma condição psiquiátrica frequentemente diagnosticada na infância que é caracterizada por um padrão persistente de comportamento hostil, negativo e desafiante que pode impactar o desempenho social, emocional e escolar durante a infância e persistir até a maioridade quando não tratado.
Além disso, o TOD é comumente associado e visto como precursor de outros transtornos. Ou seja, ele é uma condição antecedente que aponta o risco para a manifestação futura de outros transtornos, tanto externalizantes (p.ex., transtorno de conduta), como internalizantes (p.ex., ansiedade e depressão), além de uso de substâncias e evasão escolar.
O transtorno de conduta é caracterizado por conduta agressiva, crueldade com pessoas ou animais, mentiras, indisciplina e desobediência, violação de regras sociais, comportamento criminoso e oposição a figuras de autoridade. Já a depressão é caracterizada por perda de interesses, falta de disposição, sentimento de vazio, humor triste, sentimentos de culpa ou inutilidade, dificuldade de concentração e pensamentos negativos.
Uma dúvida comum entre os pesquisadores da área era: como transtornos quase opostos, uma vez que os sintomas desses transtornos têm pouco em comum, podem ser comórbidos, ou seja, ocorrem ao mesmo tempo no mesmo indivíduo?
Nas últimas duas décadas, esses pesquisadores tem questionado se a estrutura unidimensional dos sintomas do TOD, conforme vem sendo descrita nos manuais de psiquiatria, poderia ser mais bem descrita por múltiplas dimensões. A hipótese é de que o TOD é uma categoria multidimensional mais complexa, que captura uma ampla gama de sintomas que inclui as características de comportamento disruptivo e de oposição, mas também dificuldades afetivas de regulação das emoções.
A diferenciação entre essas duas dimensões, uma comportamental e outra afetiva, explicaria a associação tão documentada na literatura científica entre transtornos aparentemente afastados entre si (depressão e transtorno de conduta). Dessa forma, cada dimensão do TOD estaria associada à manifestação de diferentes sintomas posteriormente.
A depressão na adolescência ou na maioridade está ligada aos sintomas da dimensão afetiva e não da dimensão comportamental. A dimensão afetiva é caracterizada por desregulação emocional, disposição cognitiva negativa, irritabilidade e humor rancoroso, zangado e instável. Além disso, pesquisas tem demonstrado que essas características são fortemente relacionadas aos traços de personalidade do fator conhecido como neuroticismo ou instabilidade emocional, que é a tendência para experimentar emoções negativas, como raiva, ansiedade ou depressão.
Por outro lado, o desenvolvimento do transtorno de conduta parece estar parcialmente associado também à dimensão afetiva negativa, mas sua ligação mais forte é certamente com os sintomas da dimensão comportamental do TOD.
O entendimento bidimensional do Transtorno Opositivo-Desafiador tem implicações tanto para a compreensão da etiologia dos transtornos quanto para seus tratamentos. A heterogeneidade de caminhos que caracterizam o TOD sugere que diferentes crianças com o transtorno podem exigir formas diferentes de intervenção. Aqueles que se propõem a tratar de crianças com comportamento desafiador e de oposição devem valer-se de uma conceituação mais ampla que alcance uma compreensão abrangente dos fatores subjacentes às características e dificuldades individuais de cada criança , combinadas com as necessidades específicas de seus ambientes sociais, como escola e família.
Veja também: Pais agressivos, ansiosos e depressivos têm mais chance de ter filhos com TOD evice-versa
Para saber mais:
BURKE, LOEBER, LAHEY, e RATHOUZ (2005), Developmental transitions among affective and behavioral disorders in adolescent boys. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 46: 1200-1210.
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