Quando uma criança, mesmo tendo as condições necessárias para resolver determinado problema, acaba falhando porque deixou de se atentar para alguma informação importante naquela tarefa, dizemos que ela cometeu um erro por distração.
Erros por distração são diferentes de erros persistentes. Erros persistentes ocorrem quando a criança não construiu o conhecimento necessário para resolver aquele problema e repetidamente falha ao tentar resolvê-lo. Erros por distração ocorrem quando a criança deixa de se atentar para informações relevantes ou não as considera dentro do planejamento de resolução de uma tarefa e, apesar de ter condições para resolvê-la, acaba falhando ocasionalmente.
Mas, por que as crianças cometem erros por distração?
Erros por distração podem ser entendidos como uma falha de flexibilidade cognitiva. Ao longo do dia, seja em tarefas escolares ou desafios cotidianos, as crianças devem frequentemente ajustar o foco de sua atenção assim como adaptar suas crenças, pensamentos ou regras interiores — ou esquemas — para novas situações (por exemplo, na mudança de uma atividade para outra na escola).
Essa adaptação ou "mudança de regras" é fácil de observar em tarefas de ordenação e classificação. Blocos de madeira, por exemplo, podem ser organizados de acordo com a cor, tamanho ou forma. Se uma criança da pré-escola, que estava separando os blocos conforme a cor, é agora requisitada pela professora a organizar os blocos, não mais pela cor, mas sim pela forma, ela deve mudar a "regra" que orienta seu comportamento. E cada regra inclui informações diferentes às quais a criança deve se atentar. Antes a regra era cor (amarelo, vermelho, azul etc.), agora a regra é forma (círculo, quadrado, triângulo).
A flexibilidade cognitiva é a habilidade que permite que a criança ajuste seus esquemas e comportamentos em resposta a uma nova tarefa e um novo objetivo. Erros por distração frequentemente ocorrem quando a criança precisa alternar entre uma tarefa e outra e, portanto, “ajustar as regras”.
De acordo com os psicólogos Daniel Carroll e Emma Blakey, erros por distração em crianças escolares não são consequências de uma única circunstância. Em um estudo recentemente publicado, eles apontaram três hipóteses para explicar por que erros por distração ocorrem. Cada hipótese foca em uma demanda especifica quando mudanças de regras são necessárias.
Erros por distração podem ocorrer pela...
(A) dificuldade da criança em ignorar qualquer tipo de informação que não é relevante para aquela tarefa;
(B) dificuldade da criança em ignorar informações que costumavam ser relevantes, mas agora não são;
(C) dificuldade da criança de se atentar a informações que anteriormente eram ignoradas, mas que agora são relevantes.
O que é comum a todas as hipóteses é a ideia de que erros por distração ocorrem porque há informações que precisam ser ignoradas e outras informações que precisam ser atentadas. Entretanto, que tipo de informação deve ser ignorada e que tipo deve ser considerada é que é diferente em cada caso.
A hipótese A sugere que erros de distração ocorrem quando a criança tem uma dificuldade geral de ignorar estímulos distratores — ou seja, aqueles que causam distração. Quando necessário que se concentre em alguma informação relevante para a tarefa, ela é incapaz de concentrar sua atenção o suficiente para assimilar aquela informação. Em outras palavras, qualquer tipo de informação que deveria ser ignorada é suficiente para perturbar a concentração da criança. Nesse caso, os erros ocorrem como consequência de um prejuízo na atenção seletiva — o processo que nos permite focar apenas num aspecto específico de um estímulo enquanto não atendemos a outros aspectos do mesmo estímulo.
Na realização de uma tarefa, muitas vezes o principal desafio é ignorar informações ou estímulos irrelevantes. Resistir à distração de informações que não estão relacionadas à tarefa atual é uma habilidade essencial do comportamento dirigido a um objetivo, e que em algumas crianças, principalmente aquelas com transtorno de déficit de atenção, não foi desenvolvida ou se desenvolveu insuficientemente.
Pode ser também que erros por distração ocorram porque a criança continua a considerar informações que eram relevantes em outras tarefas anteriores — hipótese B. Ou seja, a maneira como a criança responde a determinada tarefa é influenciada por um viés atencional estabelecido em uma tarefa anterior e que, portanto, se refere a informações que foram relevantes para aquele objetivo anterior e que não é mais relevante para o atual. Por ainda estarem “presas” às informações da regra anterior, as crianças selecionam respostas que não estão corretas de acordo com o objetivo atual. Mesmo tendo assimilado com sucesso uma nova regra, seu comportamento ainda está propenso a ser perturbado por informações relevantes para a regra anterior.
A hipótese C sugere que erros por distração ocorrem devido a dificuldade em reorientar a atenção para estímulos que anteriormente eram ignorados. É comum em muitas tarefas que, após uma mudança de regra, a dimensão anteriormente ignorada agora se torne relevante, exigindo que as crianças dirijam sua atenção para algo que anteriormente havia sido propositalmente desconsiderado. Isso sugere que os erros por distração surgem como resultado de um processo de "supressão ativa" — onde a informação anteriormente não relevante é suprimida também na tarefa atual.
De acordo com os autores, comumente as crianças não tem muita dificuldade para ignorar estímulos alheios (hipótese A) — o que pode não ser verdade para aquelas crianças diagnosticadas com transtorno de déficit de atenção. As crianças também não tem muita dificuldade em se atentar para estímulos que foram ignorados anteriormente (hipótese C). Ainda de acordo com os autores, após uma pesquisa com crianças em idade pré-escolar, parece que a maioria dos erros por distração ocorre por as crianças ainda estarem presas ao viés atencional de regras anteriores, atentando para o que deveria ser ignorado (hipótese B).
Prejuízo na atenção seletiva não parece ser, portanto, a principal causa de erros por distração em escolares. Erros por distração parecem ocorrer mais devido a uma influência contínua de esquemas e regras anterior das crianças, na medida em que as informações associadas a essas antigas regras continuam a perturbar o desempenho das crianças em novas tarefas com diferentes objetivos.
Carroll e Blakey dizem que: “a resposta da criança parece ser perturbada pela atenção contínua e persistente às informações relacionadas à regra anterior. As pesquisas atuais sugerem que os erros por distração das crianças resultam mais de erros cognitivos estabelecidos durante tarefas anteriores que levam as crianças a atender mais às informações consistentes com uma regra utilizada anteriormente do que às informações consistentes com as novas regras”.
Implicações educacionais
É importante lembrar que os resultados da pesquisa apresentados acima se referem a “erros por distração” e não a erros persistentes ou por desconhecimento. Erros por distração são erros isolados ou ocasionais e que ocorrem mesmo quando a pessoa tem condições de responder adequadamente. O educador deve, portanto, ser capaz de distinguir nas respostas das crianças que erros são persistentes e que erros são ocasionais, por distração.
Erros por distração ocorrem em qualquer idade, de crianças pré-escolares a adolescentes ou mesmo adultos. Portanto, uma criança que comete erros por distração não é em si motivo de grande preocupação. Isso é menos verdade, entretanto, quando os erros por distração com estímulos alheios são persistentes e frequentes — nesses casos, essas crianças devem ser observadas com maior cuidado e acompanhadas por profissionais especializados.
Em muitas tarefas do nosso dia a dia, na escola, em casa ou no trabalho, somos demandados constantemente a mudar nosso foco de atenção, atentar a alguns estímulos enquanto ignoramos outros e seguir diferentes procedimentos, com regras também diferentes, para alcançar nossos objetivos com êxito. Tudo isso requer flexibilidade cognitiva, que é uma habilidade que pode (e deve!) ser treinada desde a pré-escola.
Nas escolas ou em casa, as crianças devem ter a oportunidade de experimentar diversas atividades com demandas diferentes e assim poderem construir o entendimento de que a diversidade de situações e de desafios com os quais elas se depararão ao longo da vida vão exigir dela um ajuste contínuo de seus esquemas internos, incluindo regras, crenças e foco atencional.