por Eduardo de Rezende
Estresse tóxico é
o termo que usamos para nos referirmos a "experiências adversas" na
infância, que inclui: abusos, negligência, exposição à violência doméstica,
abuso de substâncias ou o convívio com pessoas com doença mental.
Há décadas, pesquisas em saúde mental têm observado uma
forte relação entre o número de experiências adversas que um indivíduo vivencia
durante a infância e, posteriormente, os problemas de saúde manifestados quando
adulto. Mas foi só recentemente que o conhecimento do potencial impacto futuro
nos serviços de saúde fez com que o tema fosse colocado na pauta do debate político
para construção de estratégias e políticas públicas de saúde.
Além dos problemas em saúde mental e prejuízos no desempenho
escolar e profissional, as experiências adversas na infância também estão relacionadas
a problemas como obesidade, reatividade cardiovascular, respostas inflamatórias,
transtornos gastrointestinais e redução de expectativa de vida.
Os mecanismos pelos quais essas experiências da infância
afetam as funções orgânicas nos adultos não são bem compreendidos. São, sem
dúvida, mecanismos complexos que envolvem múltiplos fatores e caminhos que
incluem componentes psicológicos, socioambientais e biológicos. Pesquisadores
têm a expectativa de que nos próximos anos essa área será afetada
significativamente pela pesquisa genômica - mais especificamente a epigenética.
Epigenética
envolve o estudo de como fatores externos podem afetar a expressão gênica sem
alterar a sequência de DNA. Fatores externos podem “ligar” ou “desligar” genes
específicos e impactar como as células “leem” os genes. Prevê-se que este tipo
de pesquisa ajudará os pesquisadores a obter uma melhor visão sobre como o
ambiente social e familiar durante a infância modula a expressão do genótipo da
criança mais tarde na vida. A importância de compreender este processo é
fundamental, dada as recentes pesquisas que sugerem que o impacto das
influências ambientais na expressão gênica pode ser herdado de pais para
filhos. Em outras palavras, o impacto do estresse tóxico sobre uma criança
pode, por sua vez, ser transmitido geneticamente para os filhos dessa criança
por meio de um processo conhecido como herança epigenética.
Intervenções psicossociais para prevenção de problemas de saúde
Embora ainda haja muito a ser descoberto sobre como o
estresse tóxico durante a infância afeta a saúde do adulto, estudos recentes
sugerem que intervenções em saúde mental infantil e familiar podem ser eficazes
na redução de processos inflamatórios crônicos (que podem ser resultado do
estresse tóxico) assim como na redução do risco genético para problemas de
saúde. Isso é importante, já que a inflamação crônica, uma ativação excessiva
de partes do sistema imunológico, tem sido relacionada a vários problemas de
saúde mais tarde na vida, como doenças cardíacas, diabetes e depressão.
Em um estudo publicado em 2014, pesquisadores mostraram que
uma intervenção psicossocial direcionada a famílias de baixa renda (incluindo
crianças de 11 anos e seus pais) foi capaz de reduzir respostas inflamatórias
nas crianças. A intervenção incluiu ajudar as crianças a desenvolver
estratégias para lidar de forma mais eficaz com os estressores e trabalhar com
os pais para melhorar suas habilidades como cuidadores e a comunicação entre
pais e filhos.
Além disso, resultados adicionais sugerem que o mesmo
programa de intervenção remediou fatores genéticos para comportamentos de risco
para saúde: jovens com fatores de risco genético que não foram inseridos no
programa apresentaram mais comportamentos de risco do que aqueles jovens que
receberam a intervenção de fortalecimento das relações familiares.
Embora hoje a
maioria dos gestores públicos se concentre mais em estratégias de saúde de
curto prazo, as pesquisas sobre a relação entre estresse tóxico na infância e a
saúde adulta irá forçá-los a se concentrar mais em estratégias de longo prazo
para reduzir custos futuros considerando que a oferta de intervenções em saúde
mental durante a infância parece reduzir os custos de serviços de saúde para os
adultos.
O
entendimento preciso dos efeitos do estresse tóxico na saúde tem mostrado ter
um profundo impacto social. À medida que avançamos, será importante para nós profissionais de saúde
mental antecipar, de forma contínua, como os essas descobertas podem
influenciar sua prática no futuro. Ao estarmos ciente dessas possibilidades,
estaremos em uma posição melhor para considerar como podemos responder melhor,
de forma eficaz, ética e responsável, aos futuros desafios e oportunidades
estimulantes em nosso campo.
Para saber mais:
BAGOT
e MEANEY. Epigenetics and the biological
basis of gene X environment interactions.
Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry , 49 ,
8, 752-771, 2010.
Brody
et al. Participation in a family-centered prevention program decreases genetic
risk for adolescents’ risky behaviors. Pediatrics,
124, 911–917, 2009.
KHANDAKER
et al. Association of serum interleukin 6 and C-reactive protein in childhood
with depression and psychosis in young adult life: a population-based
longitudinal study. JAMA Psychiatry.
71 (10): 1121-8, 2014.
Miller
et al. A family-oriented psychosocial intervention reduces inflammation in
low-SES African American youth. Proceedings
of the National Academy of Sciences of the United States of America, 111,
11287–11292, 2014.
OBERLANDER
et al. Prenatal exposure to maternal depression, neonatal methylation of human
glucocorticoid receptor gene (NR3C1) and infant cortisol stress responses. Epigenetics, 3 (2): 97–106, 2008.
SHONKOFF
et al. The lifelong effects of early childhood adversity and toxic stress (American Academy of Pediatrics Technical
Report). Pediatrics, 129,
e232–246, 2012.