No mundo ocidental, os pais e outros adultos frequentemente têm dado às crianças elogios excessivos e exagerados:
— "Maravilhoso! Seu desenho está perfeito! Você é incrível nisso!"
Comumente, usamos uma linguagem exagerada para persuadir outras pessoas. Pais podem acreditar que, por exagerarem em seus elogios, estão persuadindo as crianças a se sentirem melhor em relação a elas mesmas. Assim, ao invés de dizer que os filhos foram bem no jogo de futebol, eles dizem que os filhos foram sensacionais, fenomenais, incrivelmente bem! Ao invés de dizer que o desenho feito pelo filho está legal, dizem que está maravilhoso, perfeito!
Segundo o psicólogo Eddie Brummelman, ao menos 25% dos elogios dos pais são exagerados! Os pais podem acreditar que, por inflar seus elogios, estão ajudando a construir nos filhos um bom senso de autoestima. Mas pesquisas têm mostrado que o elogio exagerado pode ou diminuir a autoestima das crianças ou, por outro lado, criar crianças narcisistas e presunçosas.
O elogio exagerado pode transmitir às crianças a mensagem que elas devem continuar atingindo padrões muito elevados de desempenho — uma mensagem que pode desencorajar as crianças com baixa autoestima de assumir desafios, fazendo com que elas evitem experiências cruciais de aprendizagem social ou acadêmica.
Elogiar inteligência ou elogiar o esforço?
O que muitos pesquisadores têm mostrado há anos é que o impacto do elogio depende da mensagem que está sendo comunicada à criança. Por exemplo, é de maior benefício para a criança elogiarmos seu esforço ao invés de elogiarmos sua habilidade. Um elogio de habilidade (por exemplo, "você é tão inteligente!"), ao contrário do elogio do esforço ("vi que você está se esforçando bastante!"), ensina às crianças que a habilidade inteligência é um traço fixo e imutável e assim pode fazer com que as crianças evitem desafios e se retirem em caso de falha. Se elas tentarem tarefas desafiadoras e falharem, eles podem concluir que não têm a capacidade para resolver aquele desafio. O elogio do esforço ao contrário continua a motivar a criança a se esforçar naquela atividade, independente das falhas.
O elogio transmite uma mensagem que determinará expectativas de desempenho futuro nas crianças. Quando as crianças são elogiadas por fazer "incrivelmente" bem, elas podem inferir que sempre devem fazer incrivelmente bem no futuro. Assim, o elogio exagerado contém uma demanda ou exigência implícita de desempenho excepcional contínuo. Uma criança que foi elogiada no passado pode se recusar a encarar um novo desafio com receio de decepcionar a expectativa de desempenho gerada anteriormente. Uma criança com baixa autoestima que foi elogiada (“você é muito boa nisso”) pode se sentir muito envergonhada após um fracasso. A vergonha, por sua vez, pode obrigá-las a evitar futuros desafios.
Além disso, o elogio de comparação social (por exemplo, "você é melhor nisso do que as outras crianças!"), em comparação com o elogio de domínio ("você está se saindo muito bem nisso!"), diminui a motivação intrínseca porque ensina à criança que o mais importante é ser melhor que os outros — ou seja, a criança não precisa dar o melhor dela, ela simplesmente precisa ser melhor que os colegas.
O elogio também oferece às crianças pistas de como os adultos as percebem. Um experimento na década de 80 por George Barker e Sandra Graham da Universidade da Califórnia, com crianças de 4 a 12 anos, mostrou que quando uma criança é elogiada por concluir uma tarefa muito simples, outras crianças podem inferir que o adulto pensa que ela não tem capacidade de realizar tarefas mais difíceis ("se você a elogiou por algo tão fácil, então você deve pensar que ela não pode fazer melhor"). Para a criança deve haver uma relação proporcional entre esforço e elogio: se o adulto elogia a criança por uma tarefa simples que não exige esforço, a criança percebe que ou o adulto está sendo desonesto ou que o adulto acredita que a criança tem poucas habilidades.
Autoestima e Narcisismo
Em uma pesquisa publicada recentemente, Eddie Brummelman e sua equipe mostraram que, além de produzir efeitos negativos, elogios exagerados podem, por outro lado, cultivar um espírito narcisista nas crianças. Em crianças que já tem elevada autoestima, o elogio exagerado pode reforças traços de personalidade narcisista. Pessoas com alta autoestima são relativamente pouco preocupadas com o fracasso e buscam oportunidades para demonstrar seu valor e habilidade. Eles podem interpretar elogios inflados como um incentivo e buscar desafios para mostrar que eles podem cumprir os padrões elevados estabelecidos para eles.
O narcisismo é caracterizado por desejos de respeito e admiração pelos outros. Quando as crianças são informadas de que elas foram incrivelmente bem, elas podem inferir que são extraordinárias. Uma vez que acreditam que são extraordinárias, elas tentam manter essa visão de si mesmas tentando obter uma validação externa.
É importante destacar que narcisismo e autoestima são duas dimensões distintas. Ou seja, o narcisismo não é uma forma exagerada de autoestima. Uma pessoa com alta autoestima pode ser ou não narcisista, e uma pessoa narcisista pode ter alta ou baixa autoestima.
Como narcisismo e autoestima se diferem um do outro então? Crianças narcisistas se sentem superiores as outras, acreditam ter direito a privilégios e querem ser admiradas pelos outros. Quando elas recebem a admiração que querem, elas se sentem no topo do mundo; mas quando não, se sentem afundadas na lama. Os narcisistas muitas vezes reagem a essa sensação de humilhação atacando com raiva e agressividade. Em contraste, crianças com alta autoestima são felizes com elas mesmas, mas não se veem como superiores aos outros. Quando falamos de autoestima, estamos perguntando se a pessoa se considera adequada — uma pessoa de valor —, não se ela se considera superior as outras. Ao invés de buscar admiração, crianças com alta autoestima querem estabelecer laços profundos e íntimos com os outros. Eles raramente manifestam explosões de irritação e de agressividade. Assim, enquanto o narcisismo implica sentimentos de superioridade pouco saudáveis, a autoestima implica sentimentos saudáveis e de boa covivência consigo mesmo e com o mundo.
"Para pesquisadores, o elogio exagerado é pouco eficaz em desenvolver a autoestima das crianças!"
Pesquisas em psicologia do desenvolvimento e da personalidade têm mostrado que traços de personalidade narcisistas começam a se desenvolver no final da infância, entre 7 e 11 anos. Nessa idade, as crianças adquirem capacidades cognitivas para formar autoavaliações que constituem a base de competências como autoestima e traços de personalidade como o narcisismo. Assim, elas usam comparações sociais para avaliar a si mesmas, possibilitando autoconceitos como: “sou capaz de fazer isso” ou “eu sou melhor que todos os outros”.
Avaliando 120 crianças dessa faixa etária junto de seus familiares, o psicólogo Eddie Brummelman e sua equipe confirmaram a hipótese de que crianças com menor autoestima recebem elogios mais exagerados de seus pais e que essa forma de elogio, por sua vez, determina uma autoestima ainda menor ao longo do tempo nas crianças. Da mesma forma, a pesquisa também confirmou a hipótese de que, em crianças com níveis altos de autoestima, o elogio exagerado propicia o desenvolvimento de autoconceitos narcisistas. Em ambos os casos o elogio exagerado pode ser nocivo ao desenvolvimento socioemocional das crianças.
Muitos pais e educadores têm a crença de que o elogio é um componente-chave na construção da autoestima das crianças. Isso pode ser verdade. Mas o que podemos concluir das pesquisas é que nem todos os elogios são iguais. Eles são de diferentes formas e tamanhos, eles aparecem em contextos diversos, eles se conectam com a personalidade da criança e seus efeitos podem ser efetivos ou nocivos. Devemos estar atentos à mensagem que estamos transmitindo em nossos elogios e nos efeitos que estão determinando crenças e atitudes em nossas crianças. Em qualquer caso, o elogio exagerado tem sido apontado como uma maneira pouco efetiva de desenvolver a autoestima nas crianças.
Quando as crianças são frequentemente elogiadas, podem começar a se julgar pelos olhos dos outros — um processo que não leva a um sentido de valor próprio estável e seguro. Ao invés de elogios exagerados, pode ser mais eficaz construir a autoestima nas crianças de forma indireta, como através da construção de relacionamentos próximos com nossos filhos (por exemplo, compartilhando momentos alegres com eles, oferecendo carinho e mostrando interesse em suas atividades), o que os faz sentir aceitos e valorizados. Quando as crianças se sentem aceitas e valorizadas, podem gradualmente internalizar a percepção de si mesmas como indivíduos dignos e de valor.
Para saber mais:
BARKER, G., e GRAHAM, S. Developmental study of praise and blame as attributional cues. Journal of Educational Psychology, Vol. 79, 1, p.62-66, 1987.
BRUMMELMAN et al. When parents’ praise inflates, children’s self-esteem deflates. Child Development, 2017.
BRUMMELMAN et al. “That’s not just beautiful — that’s incredibly beautiful!”: The adverse impact of inflated praise on children with low self-esteem. Psychological Science, 2014.
MUELLER, C. M., e DWECK, C. S. Praise for intelligence can undermine children’s motivation and performance. Journal of Personality and Social Psychology, 75, 33–52, 1998.