Em um estudo recente, pesquisadores do departamento de psicologia da Universidade da
Califórnia avaliaram se crianças de 3 a 6 anos, após assistir vídeos educativos
com personagens de fantasia, eram capazes de resolver problemas reais
reproduzindo modelos apresentados nos vídeos. Eles concluíram que a exposição
das crianças a esse tipo de conteúdo tem um efeito positivo no aprendizado de
habilidades de resolução de problemas.
Participaram do estudo 49 crianças, de 3 a 6 anos de
idade. Na pesquisa, foram utilizados vídeos curtos, de cerca de 2 minutos de
duração. Os vídeos eram versões reduzidas de programas educativos que eram
transmitidos em canais de TV. Cada vídeo apresentava a resolução de um problema
diferente, misturando conhecimentos de ciência, matemática e tecnologia.
Três tipos de vídeo foram apresentados às crianças:
Tipo de conteúdo do vídeo
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Narrativa e solução
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Pouca fantasia
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Desenho
animado, mas toda narrativa e eventos são reais
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Um menino, apaixonado por ciências,
tenta colocar um bicho-de-pelúcia gigante em cima de sua cama. A solução foi
empurrar o bicho-de-pelúcia por uma rampa apoiada na beirada da cama. Não
houve violação de leis físicas.
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Solução de rampa
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Fantasia irrelevante
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Desenho
animado e que incorpora elementos de fantasia, mas tais elemenos não estão
diretamente relacionados a resolução de um problema
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Um menino, que adora animais, tenta
resgatar aves que caíram no oceano. Sua solução era usar um salvavidas para
puxar o pássaro para o barco. Não houve violação de leis físicas realistas,
mas os animais apresentados eram antropomorfizados: falavam, cantavam e
dançavam. Esses elementos foram irrelevantes para a solução do problema.
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Solução de puxar
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Fantasia relevante
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Desenho
animado, incorpora elementos de fantasia, e alguns desses elementos estão
diretamente relacionados a solução do problema
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Uma menina, que gosta de ajudar
outras pessoa e animais, tenta atravessar um rio com um barco veleiro cujas
velas estavam furadas. Sua solução foi usar fita adesiva para remendar os
buracos e o vento poder empurrar o veleiro para o outro lado do rio. Não
houve violação de leis físicas, mas animais antropomorfizados ajudaram a
menina na resolução do problema.
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Solução da fita
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Tarefas após apresentação dos vídeos
O
entendimento das crianças em relação ao conteúdo do vídeo foi avaliado por meio
de questões com o objetivo de investigar se elas eram capazes de distinguir o
que nos vídeos era ou não era possível de acontecer no mundo real — "Os animais podem falar como as pessoas? Animais
podem viajar num barco? Etc.”.
Em seguida, os
pesquisadores pediram que as crianças solucionassem alguns problemas, cada um
analogamente similar a um vídeo apresentado.
Tarefa
da rampa
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As
crianças receberam uma bola gigante e os pesquisadores pediram que elas
encontrassem uma maneira fácil de colocar a bola em cima de uma mesinha. Diversos
materiais foram apresentados às crianças e a solução foi usar uma tampa de
uma caixa de plástico como rampa para rolar a bola para cima da mesa.
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Tarefa
de puxar
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As
crianças sentaram-se num sofá e os pesquisadores mostraram a elas uma bicicleta
em miniatura localizada a uma pequena distância. Elas deveriam pegar a
bicicleta, mas sem sair do sofá. Diversos materiais foram apresentados e a
solução foi lançar uma boia salva-vidas para puxar a bicicleta.
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Tarefa
da fita adesiva
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As
crianças foram apresentadas a uma boneca em um skate em miniatura junto de um
paraquedas com cinco furos e um pequeno ventilador. Os pesquisadores disseram
que algum item do cenário estava com defeito e as crianças deveriam encontrar
uma maneira de corrigir esse erro e mover a boneca no skate usando apenas o
vento do ventilador. Diversos materiais foram apresentados e a solução foi
tapar os buracos do paraquedas com uma fita e então mover a boneca com o
vento do ventilador.
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Para realizar as tarefas com sucesso as crianças tinham
que reconhecer as semelhanças entre a história do vídeo e o problema real
apresentado, assim elas seriam capazes de realizar uma transferência analógica de conteúdo e estratégias para aplicar na
resolução da tarefa. Transferência analógica é a capacidade de aplicar
informações ou conceitos relevantes de um contexto a um outro contexto
similarmente relacionado.
Modelo
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Elementos
dos vídeos
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Transferência
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Solução
da rampa
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1.
Bicho de pelúcia
2.
Rampa de madeira
3.
Cama
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1.
Bola
2.
Rampa usando tampa de plástico
3.
Mesa
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Solução
de puxar
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1.
Pássaros
2.
Salva-vidas
3.
Barco
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1.
Bicicleta em miniatura
2.
Salva-vidas
3.
Sofá
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Solução
da fita
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1.
Vela
2.
Fita adesiva
3.
Vento natural
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1.
Paraquedas
2.
Fita adesiva
3.
Vento artificial
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O resultado
da pesquisa mostrou que crianças mais perto dos 6 anos de idade e que
conseguiam distinguir melhor entre os elementos de fantasia e de realidade
tiveram maior sucesso na transferência analógica para a resolução de problemas.
Algumas características da mídia facilita a "taxa de transferência
analógica", como narrativas curtas e simples e familiaridade anterior da
criança com os personagens.
Segundo os
pesquisadores, até os 6 anos a criança aprende a distinguir quais eventos dos
desenhos animados são ou não são possíveis de acontecer no mundo real. Quando
percebem essa delimitação entre realidade e fantasia, as crianças são capazes
de aprender habilidades de resolução de problemas que são apresentadas em
programas educativos e desenhos animados. O uso desse tipo de mídia serve como
recurso de apoio para o desenvolvimento do raciocínio na infância, podendo ser
apresentado às crianças na escola ou em casa.
O aprendizado por vídeo em crianças menores de 3 anos
Diversos outros estudos têm demonstrado a possibilidade de
crianças pequenas aprenderem habilidades através de vídeos. Um estudo de 2007
mostrou que crianças entre 12 e 21 meses de idade eram capazes de aprender
sequêencias de ação para resolver tarefas imitando representações em vídeo na
televisão. Os pesquisadores avaliaram a imitação com modelos reais e com representações
em vídeo e concluíram que o aprendizado era mais rápido com modelos reais,
sendo necessário maior número de exposição ao conteúdo em vídeo para que elas pudessem
alcançar o mesmo nível de aprendizado.
Um estudo parecido em 2009 apontou que o aprendizado é mais
efetivo por vídeos quando a apresentação do conteúdo é realizada em ambiente
isolado. Eles observaram que o aprendizado de crianças de 24 meses de idade
através de vídeos foi mais bem-sucedido nas salas do laboratório da universidade
do que com as apresentações em casa, uma vez que o espaço doméstico continha
mais distrações.
Em 2011, pesquisadores demonstraram que crianças com menos
de 2 anos de idade podem aprender habilidades cognitivas de raciocínio lógico a
partir de uma apresentação em vídeo quando o personagem na tela é socialmente
significativo para elas. A mesma conclusão apareceu num estudo de 2013 onde as
crianças assistiam nos vídeos personagens que eram representações de brinquedos
com os quais elas já estavam familiarizadas. Os pesquisadores concluíram que crianças
até 2 anos de idade aprendem muito mais quando os personagens são familiares
para elas.
Apresentações em vídeo também foram usadas para ensinar
crianças entre 2 e 3 anos de idade a usar o banheiro num estudo de 2016. Os
pesquisadores mostraram que o uso de vídeo foi mais efetivo para o aprendizado
do que a orientação verbal.
Apesar dos resultados apontados pelos estudos, os
pesquisadores em geral concordam que as crianças aprendem melhor na vida real
do que através de representações em vídeo. Além disso, a exposição e o uso
prolongado de eletrônicos pelas crianças têm sido associados a diversos
problemas de saúde e prejuízos no desenvolvimento da criança. Órgãos de saúde no mundo todo recomendam que
crianças menores de 2 anos de idade não sejam exposta à aparelhos como tablet,
smartphone ou TV, e que crianças entre 3 e 5 anos não passem de 1 hora de tela
por dia. Outras recomendações sobre o uso de eletrônicos para crianças maiores podem ser acessadas
aqui.
Para saber mais:
BARR et al. The
Effect of Repetition on Imitation from Television during Infancy. Developmental Psychobiology, 49, 2,
169-207, 2007.
CALVERT, RICHARDS e KENT. Personalized interactive characters for toddlers' learning of seriation
from a video presentation. Journal of
Applied Developmental Psychology, 35, 148–155, 2014.
LAURICELLA, GOLA e CALVERT. Toddlers' Learning From Socially Meaningful Video Characters.
Media Psychology, 14:2, 216-232, 2011.
NURFAJRIYANI et
al. Influence of video modelling to
the toileting skill at toddler. International
Journal of Community Medicine and Public Health, 3, 8, 2029-2034, 2016.
RICHERT e SCHLESINGER. The role of fantasy–reality distinctions in preschoolers' learning from
educational video. Journal of Child
Development, 26, 4, 1-17, 2016.
STROUSE e TROSETH. Don’t Try This at Home: Toddlers’ Imitation of New Skills from People
on Video. Journal of Experimental
Child Psychology, 101, 4, 262–280, 2008.
TROSETH , SAYLOR
e ARCHER. Young Children's Use of
Video as a Source of Socially Relevant Information. Child Development, 77, 3, 786–799, 2006.