Crianças são capazes de distinguir Realidade e Fantasia a partir dos 3 anos de idade
Há muito tempo têm se compartilhado a noção de que as crianças vivem imersas num mundo de fantasia, de onde elas precisam se afastar à medida que crescem. Mas pesquisas recentes mostram que as crianças pequenas já são capazes de distinguir claramente o que é real e o que é ficção, e até mesmo distinguir entre diferentes mundos de fantasia.
Embora ainda aceitem explicações mágicas para eventos que desconhecem, as crianças começam a distinguir a realidade da fantasia aos 3 ou 4 anos. Elas precisam de alguns recursos e pistas para isso, o que inclui os testemunhos de adultos ou de colegas, sua interpretação do espaço onde está inserida, e seus conhecimentos dos mundo real.
O curioso é que, embora cognitivamente capaz desta distinção, as crianças nessa idade costumam demonstrar fortes crenças em personagens de fantasia, principalmente aqueles culturalmente afirmados, tais como o Papai Noel, ou mesmo o Coelho da Páscoa. Quando estão na pré-escola, crianças de 4 ou 5 anos se tornam mais crentes nesses personagens do que quando elas tinham 2 ou 3 anos. Às vezes, a crença é tão forte que, mesmo quando os pais optam por expor às crianças a distinção entre realidade e fantasia, elas permanecem firmes em suas crenças. Como isso é possível?
Uma das explicações é o papel das confirmações culturais. Como a diferenciação entre fantasia e realidade ainda está se desenvolvendo, as crianças estão mais vulneráveis a testemunhos enganosos que confirmam o status de realidade de Papai Noel e outras figuras de fantasia. Elas se deparam frequentemente com esses personagens em filmes, desenhos, livros, em shoppings (onde as crianças se encontram com Papais Noéis “reais”) e até mesmo durante o aprendizado de princípios morais — quando dizemos, por exemplo, que uma criança má não ganha presente do Papai Noel. Quanto mais crescem, mais essas crianças vivenciam essas experiências. Além disso, quanto mais os pais endossam explicitamente a realidade do Papai Noel ou outros personagens ficcionais, mais os filhos irão acreditar neles.
E como que as crianças passam a entender que esses personagens são fictícios?
Uma das respostas é que as afirmações dos adultos sobre a realidade desses personagens diminuam conforme a criança cresce. Outra possibilidade é que, mesmo que as afirmações dos adultos permaneçam, o aprendizado das crianças sobre o mundo natural possibilita que elas coloquem em dúvida alguns aspectos dessas histórias, concluindo enfim que são histórias fantasiosas. Alguns estudos mostram que as crianças reconhecem que Papai Noel é um personagem fictício por volta dos 7 anos de idade. Essa descoberta, no entanto, é um processo gradual e não um momento específico.
Importante é lembrarmos que histórias de fantasia são contadas para transmitir valores e perpetuar tradições. Histórias permitem que os indivíduos expressem uma emoção de determinada forma. Histórias são demandadas para fornecer explicações para fenômenos ou costumes existentes. O valor das histórias natalinas não se resume ao entretenimento. Apesar das controvérsias (afastamento de significados cristãos, aspectos comerciais, e acentuação de desigualdades socioculturais) poucos contestam o fato de que o Natal tem o poder de possibilitar "experiências mágicas". É por essa via que pesquisas recentes têm demonstrado a justificativa pela qual a maioria dos adultos permite e até mesmo encoraja as crianças a acreditarem no Papai Noel.
A figura do Papai Noel está associada a valores morais como benevolência, cooperação e generosidade. Não é a toa que a maioria dos filmes que tratam dessa temática traz ao fim uma mensagem de bondade e esperança. Crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e econômica tendem a sustentar por mais tempo a crença num “espírito natalino”, porém essa crença é mais uma esperança de uma gratificação material ou ascensão social, ainda que mediada por particulares ou instituições sociais, do que uma crença na real existência do personagem Papai Noel.
Na escola, profissionais de educação relatam que a experiência do Natal favorece o raciocínio imaginativo das crianças, além de gerar uma experiência de encantamento e mistério que motivam curiosidades que, por sua vez, apoiam a construção de novos aprendizados.
O espírito natalino também é descrito pelos pais como justificativa de introdução da criança no mundo de fantasia do Natal. Para eles, a crença no personagem é menos importante do que os valores transmitidos:
"... meu filho acredita no Papai Noel, mas ele também acredita no verdadeiro significado do Natal que é sobre se preocupar com o próximo, sobre paz e sobre ser generoso, principalmente com as pessoas pobres e mais necessitadas." — Mãe de aluno de 6 anos, em resposta a um estudo sobre os significados e valores do Natal.
Para saber mais:
GOLDSTEINA e WOOLLEYB. Ho! Ho! Who? Parent promotion of belief in and live encounters with Santa Claus. Cognitive Development, 39, 113–127, 2016.
PAPATHEODOROU e GILL. Father Christmas: just a story? International Journal of Children’s Spirituality, vol. 7, no. 3, 2002.
BATINGA et al. Natal, consumo, materialismo: uma análise discursiva de cartas infantis de natal. XVIII SemeAd – FEA – USP, Nov. 2015.