A discussão sobre a determinação de nossos comportamentos tem se limitado à oposição inato (genético) X aprendido, e pouca atenção tem sido dada à estampagem.
Denominamos estampagem (ou imprinting, em inglês) o fenômeno onde há “liberação” de padrões de comportamentos que se dá, de certa forma, por uma combinação de fatores genéticos somado a eventos ambientais. Em outras palavras, o comportamento é determinado por um componente inato – uma tendência – em resposta a eventos que ocorrem durante a história de vida do indivíduo. Alguns autores costumam apontar a estampagem como uma forma de aprendizagem. Entretanto, esse evento apresenta algumas características que o distingue dos processos de aprendizagem tradicionalmente estudados na psicologia.
1. O que é estampagem?
A estampagem ocorre, grosso modo, quando comportamentos inatos são liberados em resposta a um estímulo aprendido.
O interesse por este campo de pesquisa está ligado à compreensão, entre estudiosos do comportamento, de que a estampagem e processos semelhantes podem ser muito significativos para o desenvolvimento ontogenético de indivíduos de muitas espécies, entre as quais “talvez” se inclua a nossa.
O comportamento de aproximação e acompanhamento
é um exemplo clássico de aprendizagem por estampagem,
comum em algumas espécies de aves.
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Mas o termo “imprinting” foi inicialmente empregado pelo zoólogo e etologista austríaco Konrad Lorenz, na década de 30 do século passado. Lorenz ficou impressionado com o fato de filhotes de certas espécies de aves não reconhecerem instintivamente os membros de sua espécie. Seu dom instintivo apenas o predispõe a seguir a primeira coisa em movimento que encontra – normalmente sua mãe, às vezes outro membro de sua espécie, às vezes um membro de outra espécie (ver imagem acima).
Depois de ter uma pequena experiência com sua mãe, outro animal, ou mesmo com um ser humano ou um objeto inanimado, o jovem animal forma uma ligação duradoura com o indivíduo, ou classe de indivíduo, que inicialmente seguiu. Dizemos que o animal filhote foi estampado.
Os comportamentos de aproximar e acompanhar são inatos, mas o objeto a ser acompanhado é aprendido durante a vida do indivíduo.
2. Quais as características da estampagem?
Embora não haja uma definição exata do fenômeno, podemos destacar algumas de suas características.
Um dos aspectos específicos da estampagem é que ela ocorre durante um período muito definido e curto na vida do indivíduo, ou seja, há necessidade de um estado fisiológico específico durante o desenvolvimento do organismo.
Outro aspecto é que a aquisição do comportamento não é modificada por estímulos reforçadores sobre o comportamento do organismo; ao contrário, uma exposição muito limitada no tempo frente ao estímulo desencadeia de forma efetiva todo o comportamento subsequente.
O comportamento, uma vez ‘estampado’, não pode ser esquecido (há controvérsias, mas os autores concordam que a estampagem é, no mínimo, dificilmente reversível). O comportamento estampado parece, enganosamente, como se fosse puramente instintivo, como uma resposta incondicionada.
Um dos exemplos mais conhecidos, já citado e também exemplificado no vídeo acima, é o do comportamento de aproximação e acompanhamento em algumas espécies de aves filhotes, como patos, gansos, pintinhos. Esses filhotes tendem a seguir os pais assim que saem do ovo.
A tendência inicial dos filhotes para agarrar-se às figuras dos pais, ou para segui-los, pode ser descrita como inata ou instintiva, ou seja, os filhotes não aprendem a comportar-se dessa maneira. A aproximação é uma resposta à estimulação. Entretanto, a ligação à determinada classe de objeto, ou a preferência por ela, é adquirida: o patinho segue qualquer objeto em movimento que primeiro tenha visto após sair do ovo, independente de ser a mãe pata, um gato, ou um humano, ou até objetos inanimados movimentados mecanicamente. Se o filhote não adquirir este hábito até aproximadamente quatro dias (por estar privado de ver, por exemplo) ele nunca mais vai adquirir esta ligação permanente.
3. O que alguns experimentos mostraram
Os comportamentos estampados são respostas a estímulos. A caracterização dessa estimulação tem sido o objetivo de muitas pesquisas.
Em experimentos com o comportamento de seguir de filhotes de aves, as primeiras observações mostraram que o acompanhamento podia ser provocado por animais em movimento, pessoas e até objetos inanimados.
Em muitos experimentos foram usadas imitações e modelos simples de animais. Outros experimentos foram realizados com objetos em movimento que não se assemelhavam muito a animais reais (como caixas, bexigas, trens de brinquedo, bola de futebol, calçados etc.). Os resultados mostraram que o estímulo não tinha de ser semelhante aos pais naturais, ao contrário, alguns objetos inanimados eram até mais eficientes para liberar o acompanhamento do que os pais naturais.
Em pesquisas sequentes, os pesquisadores acabaram por perceber que o “objeto em movimento” não precisa estar necessariamente em movimento. A oscilação visual, originada de luzes piscando por exemplo, também era capaz de provocar respostas de aproximação nas aves filhotes.
Baseado nesses estudos no final da década de 50, pensaram que a luz oscilante deve ser tão atraente para pintinhos recém-nascidos do ovo quanto um objeto em movimento, pois o efeito retiniano de ambos seria igual. Em seguida, vários estudos a partir da década de 60 demonstraram estampagem com objetos estacionários. Concluíram que nem o movimento real e nem o imaginário são necessários para a estampagem, e que qualquer estímulo não-desagradável que domine o ambiente sensorial do filhote durante um período inicial de desenvolvimento deve provocar respostas de aproximação e acompanhamento.
Na natureza, também a estimulação auditiva é usualmente um componente importante de uma configuração de estímulos diante da qual ocorre a estampagem. É possível que, em algumas espécies, a função dos sons emitidos pelos pais seja, fundamentalmente, chamar a atenção dos filhotes. Em outras espécies, no entanto, a estampagem auditiva pode ser tão importante quanto a visual, e talvez ainda mais importante do que esta.
BERECZKEI et al. Sexual imprinting in human mate choice. Proceedings of the Royal Society B, 2004
4. Um campo pouco estudado
Originalmente, o termo estampagem foi aplicado a esses comportamentos de aproximação e acompanhamento de filhotes de aves, como exemplificados ao longo do texto. Mas, considerando as descrições de comportamentos aparentemente semelhantes à estampagem em outras espécies e em relação a outros comportamentos, pareceu razoável usar o termo estampagem para descrever o desenvolvimento de outros comportamentos (comportamento alimentar e comportamento sexual, por exemplo).
Na medida em que a estampagem é um tipo especial de aprendizagem – rápida, duradoura e não provocada por reforço – alguns outros tipos de comportamento podem ser considerados como sendo mais ou menos semelhantes à estampagem.
Na estampagem sexual, por exemplo, a preferência e os comportamentos sexuais são determinados por estímulos experienciados em um período específico da vida do animal.
Na medida em que a estampagem é um tipo especial de aprendizagem – rápida, duradoura e não provocada por reforço – alguns outros tipos de comportamento podem ser considerados como sendo mais ou menos semelhantes à estampagem.
Na estampagem sexual, por exemplo, a preferência e os comportamentos sexuais são determinados por estímulos experienciados em um período específico da vida do animal.
Algumas pesquisas, inclusive, têm especulado eventos de estampagem em relação à sexualidade humana, ou seja, orientações ou preferências sexuais podem ser determinadas por um processo que inclui elementos inatos mais estímulos vivenciados pelo indivíduo em período muito específico de sua vida. Uma vez aprendidas, essas preferências sexuais, assim como ocorre no comportamento de acompanhamento das aves, são duradouras, ou seja, não são modificadas por experiências futuras.
Pesquisas sobre o assunto são atualmente escassas e, portanto, insuficientes para nos dar respostas satisfatórias. Para quem ficou curioso, disponibilizo abaixo algumas referências bibliográficas.
Quer saber mais?
SLUCKIN, Sladyslaw. Imprinting and Early Learning, Methuen's manuals of modern psychology, 1970 (livro com tradução em português pela editora Perspectiva).
BOLHUIS e HORN. Generalization of Learned Preferences in Filial Imprinting. Animal Behavior, 1992
O’REILLY e JOHNSON. Object Recognition and Sensitive Periods: a Computational Analysis of Visual Imprinting. Cognitive Neuroscience, 1993.
CHAFFEE, GRIFFIN e GILMAN. Sexual imprinting: what strategies should we expect to see in nature? Evolution, 2013.
BERECZKEI et al. Sexual imprinting in human mate choice. Proceedings of the Royal Society B, 2004
GYURIS, JÁRAI e BERECZKEI. The effect of childhood experiences on mate choice in personality tratis: Homogamy and sexual imprinting. Personality and Individual Differences, 2010.
MARCINKOWSKA e RANTALA. The role of sexual imprinting and the Westermarck effect in mate choice in humans. Behavioral Ecology and Sociobiology, 2011.
________. Sexual Imprinting on Facial Traits of Opposite-Sex Parents in Humans. Evolutionary Psychology, 2012.