por Eduardo de Rezende
01/11/2016 (atualizado em 26/02/2023)
Quais os direitos dos alunos com transtornos da aprendizagem ou transtornos do comportamento como TDAH? Existe Lei sobre TDAH? Déficit de atenção é considerado deficiência?
Quais os direitos dos alunos com transtornos da aprendizagem ou transtornos do comportamento como TDAH? Existe Lei sobre TDAH? Déficit de atenção é considerado deficiência?
Veja também: Nova Lei obriga escolas a colocar alunos com TDAH na primeira fila
Uma das dúvidas frequentes de pais e alunos é: quais os direitos legais dos portadores de TDAH?
A Lei 14.254
A lei n° 14.254 de 2021 garante acompanhamento integral aos alunos com TDAH, incluindo:
"acompanhamento específico pelos seus educadores no âmbito da escola na qual estão matriculados"
O acompanhamento integral previsto inclui a identificação precoce do transtorno, o encaminhamento do educando para diagnóstico, o apoio educacional na rede de ensino, bem como o apoio terapêutico especializado na rede de saúde.
Educandos com dislexia, TDAH ou outro transtorno de aprendizagem que apresentam alterações no desenvolvimento da leitura e da escrita, ou instabilidade na atenção, que repercutam na aprendizagem devem ter assegurado o acompanhamento específico direcionado à sua dificuldade, da forma mais precoce possível, pelos seus educadores no âmbito da escola na qual estão matriculados e podem contar com apoio e orientação da área de saúde, de assistência social e de outras políticas públicas existentes no território.
A Lei 14.254 na prática!
Apesar de festejada, a lei 14.254 parece trazer mais confusão e dúvidas para pais e educadores. A lei não explica de forma clara e objetiva "quem" fará e "como" ocorrerá esse acompanhamento específico na escola. Afinal, o que é esse tal acompanhamento no âmbito escolar? Seria um atendimento diferenciado, adaptações educacionais?
Seria realizado pelo professor que está na sala de aula, um auxiliar, pelo pedagogo ou por outro profissional especializado? O atendimento aconteceria em horário de aula ou seria vinculado ao contraturno? Na sala de aula ou numa outra sala? Individual ou em grupo?
Estamos falando aulas de reforço, monitoria, grupos de estudo, treino de habilidades específicas? Haverá formação especial para toda escola ou apenas para os envolvidos no acompanhamento? Esse acompanhamento terá alguma forma de registro e apresentação de dados específica?
Muitas leis são aprovadas sem a devida consideração de sua aplicação prática. A lei deve sim ser celebrada como reconhecimento das necessidades desse público. Mas, como pode-se observar, a lei traz mais dúvidas do que respostas e distorções na sua aplicação. O resultado é que muitas instituições escolares NÃO SABEM como devem aplicar a lei já que não existem diretrizes e os alunos não têm o direito garantido.
Outras legislações:
Além da lei 14.254/ 2021 os alunos podem também se beneficiar de um conjunto de leis, resoluções e diretrizes nacionais que dizem respeito ao sistema de educação, ou de legislações locais específicas sobre o TDAH.
Tentativas de interpretar essas leis e prescrições exigem grande esforço, e nem sempre chegamos a uma conclusão convincente.
1. O direito à educação na Constituição Federal e no ECA
A Constituição Federal Brasileira estabelece que a educação é “direito de todos e dever do Estado”, devendo ser garantida a “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”.
Além disso, no art. 208 é definido que “é dever do Estado garantir atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência”.
A validade da aplicação dessa lei depende em grande parte da consideração de que transtornos específicos como TDAH são “deficiências”, já que o texto da lei faz uso explícito desse termo.
A legislação brasileira reconhece como pessoas com deficiência “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas”.
A partir desse texto, o TDAH pode ser interpretado como “deficiência”, uma vez que essa condição psicopatológica muitas vezes “impede a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Ainda que não seja considerado como deficiência, o texto que estabelece “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” garante que, aos alunos diagnosticados com transtornos específicos, sejam oferecidos programas que compensem sua condição deficitária e favoreçam seu desenvolvimento e permanência na escola.
O art. 53 do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990), também reforça que toda criança e adolescente têm direito à educação, visando seu pleno desenvolvimento, sendo-lhes assegurado “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”.
2. Resolução CNE/CEB nº 2, de 11 de setembro de 2001
A resolução de 2011 do Conselho Nacional de Educação que institui as diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica apresenta a seguinte redação:
Art. 5º Consideram-se educandos com necessidades educacionais especiais os que, durante o processo educacional, apresentarem:
I – dificuldades acentuadas de aprendizagem ou limitações no processo de desenvolvimento que dificultem o acompanhamento das atividades curriculares, compreendidas em dois grupos: a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica específica; b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limitações ou deficiências; II – dificuldades de comunicação e sinalização diferenciadas dos demais alunos, demandando a utilização de linguagens e códigos aplicáveis; III – altas habilidades/superdotação, grande facilidade de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente conceitos, procedimentos e atitudes.
Transtornos específicos que trazem prejuízos para o indivíduo, como TDAH e dislexia, fazem parte do inciso I desse artigo. Alunos diagnosticados com esses transtornos seriam, portanto, público da Educação Especial, e teriam direito ao atendimento educacional especializado (AEE).
Entretanto, nos textos que orientam o AEE e o funcionamento da Sala de Recursos Multifuncionais não há orientações quanto a estratégias que devem ser efetuada junto a esse público. Também não há categorias para cadastro de alunos com esses transtornos específicos no Censo Escolar.
Como consequência, esses alunos acabam não sendo vistos como público do AEE.
Ainda na mesma resolução de 2001 do CNE, o art. 8 defini que deverá haver:
“Flexibilizações e adaptações curriculares que considerem o significado prático e instrumental dos conteúdos básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos diferenciados e processos de avaliação adequados ao desenvolvimento dos alunos que apresentam necessidades educacionais especiais, em consonância com o projeto pedagógico da escola, respeitada a frequência obrigatória”.
Ou seja, aos alunos com necessidades educacionais especiais devem ser oferecidos estratégias didáticas e métodos de avaliação diferenciados a fim de garantir a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.
3. Projeto Escola Viva
No ano de 2000, foi publicada pelo MEC uma série de cartilhas como parte do Projeto Escola Viva – Garantindo o acesso e permanência de todos os alunos na escola: alunos com necessidades educacionais especiais.
Essas cartilhas visavam atender as demandas dos programas de formação de professores, e servia como suporte técnico-científico para os programas de inclusão escolar. As cartilhas reuniam esclarecimentos, divulgação de conceitos, orientações e estratégias concretas para aplicação na escola.
O texto apresentado na cartilha trazia como publico da Educação Especial também alunos com condutas típicas.
“Condutas típicas” é um termo presente no documento de Política Nacional de Educação Especial de 1994, e que se refere a “indivíduos que apresentam alterações no comportamento social e/ou emocional, acarretando prejuízo no seu relacionamento com as demais pessoas”. Aí estão incluídos alunos que apresentam hiperatividade, déficit de atenção, comportamentos agressivos e impulsivos, transtornos emocionais, fobias e outros.
Além de ser claro em definir alunos com transtornos de atenção e hiperatividade como público da educação especial, a cartilha ainda apontava diferentes estratégias de intervenção, como:
Em casos de hiperatividade (…), que se registre o tempo máximo que o aluno consegue ficar envolvido com diferentes atividades, e seja dele solicitado um aumento gradativo de tempo de permanência na atividade (30 segundos, depois 1 minuto, depois 1 minuto e 30 segundos, e assim por diante…). A cada sucesso, ou seja, a cada nova meta estabelecida com o aluno e por ele alcançada, que o feito seja comentado elogiosamente. Sugerem, também, que se favoreçam oportunidades para que o aluno se movimente pela classe, ou para outros locais na escola. Outra sugestão, ainda, é a de antecipar a movimentação do aluno, encaminhando-se para perto dele, quando prestes a sair de sua carteira.
Embora o texto da cartilha fosse de grande utilidade para os educadores, na reedição publicada em 2005, não é mais utilizado o termo “condutas típicas”, e nenhuma referência é feita aos transtornos da atenção e hiperatividade, e todas as orientações antes prescritas não foram mais apresentadas.
4. Legislações locais
Muitos estados e municípios em todo o país têm criado programas locais para atendimento de alunos com transtornos funcionais específicos (TDAH, outros transtornos de comportamento, de aprendizagem e de leitura/escrita, como Dislexia).
Esses programas são fundamentados em legislações específicas de cada estado ou município onde os programas são desenvolvidos.
Por exemplo, no Distrito Federal, a Lei 5.310 de 2014 garante atendimento educacional especializado de alunos com TDAH, Dislexia, Discalculia, Distografia, Disgrafia, Dislalia, Transtorno de Conduta e Distúrbio do Processamento Auditivo Central.
No estado do Piauí, a Política de Promoção da Aprendizagem (Proap) foi instituída também com o objetivo de contribuir para a promoção da aprendizagem de alunos da rede estadual diagnosticados com TDAH, disgrafia, discalculia, disortografia e Síndrome de Irlen.
Na cidade do Rio de Janeiro, a Lei 5.416 de 2012, estabelece diretrizes para diagnóstico, tratamento e o acompanhamento dos alunos da rede de ensino fundamental diagnosticados com Transtorno do Déficit de Atenção, incluindo ensino e avaliações diferenciados nas unidades de ensino.
Diversos outros municípios e estados possuem leis ou resoluções visando o atendimento educacional especializado de alunos diagnosticados com TDAH. Os interessados devem buscar nas Secretarias de Educação ou nas casas legislativas de sua região.
6. Aluno com TDAH pode ser reprovado?
Uma dúvida muito frequente de pais e educadores sobre os direitos dos alunos com TDAH é se o aluno com TDAH pode ser reprovado — aluno com laudo pode reprovar?
Sim! Alunos com TDAH podem ser reprovados.
Sim! Alunos com TDAH podem ser reprovados.
Entretanto, se o aluno possui laudo com diagnóstico do transtorno e se esse laudo foi apresentado à escola no início do ano letivo, o aluno ou o responsável tem o direito de cobrar da instituição de ensino estratégias pedagógicas diferenciadas.
Caso essas estratégias não tenham sido oferecidas durante o período letivo, o aluno ou responsáveis podem entrar com recurso questionando a reprovação. Há casos noticiados em que a reprovação foi revertida na justiça.
TDAH é considerado deficiência?
Uma dúvida frequente de pais e educadores é se o TDAH é considerado deficiência mental (ou intelectual). Cientificamente, o TDAH e a deficiência intelectual são dois diagnósticos diferentes. Portanto, o TDAH não é considerado deficiência intelectual, embora os dois diagnósticos possam ocorrer na mesma pessoa — nesse caso chamamos a condição de “comorbidade” (quando há dois ou mais diagnósticos). Comumente, crianças diagnosticadas com TDAH não são deficientes intelectuais, mas apresentam dificuldade em assimilar o conteúdo escolar devido à desatenção e hiperatividade.
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